quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

ANJOS DA GUARDA

ANJOS TERRENOS

Me dei conta, um dia desses, que eu tive três Anjos da Guarda terrenos. Agora eles são meus Anjos no Céu.

Quando era pequena, minha mãe me ensinou a rezar a oração do “santo anjo”. Rezava todas as noites e achava que meu anjo era um pequeno anjo que rondava a casa, que me protegia. Tinha cara de anjo de louça, daqueles que as pessoas têm (ou tinham) nas prateleiras das salas e nas mesas de cabeceira.

Mas, meu Deus (!), entendi um dia desses que meus verdadeiros anjos estiveram perto de mim durante um tempo (e, um deles por muito tempo). Eram de “carne e osso”. Minha avó, minha babá e meu pai.

O PRIMEIRO ANJO

Minha avó, Isabel, que a chamavam Belita, tinha por mim um amor incondicional.  Minha mãe dizia que ela ia me botar a perder. Eu praticamente morava na casa dela. Lá tinha um quarto pra mim, e minhas lembranças de infância estão sempre ligadas a ela. Passeios de ônibus, passeios na praia, almoços e lanchinhos feitos “pra mim”, com todas as frescuras pedidas por mim. 


Quando eu era bebê ela me fazia dormir. Quando criança, maiorzinha, me levava pra escola muitas vezes. Me levava pra cima e pra baixo, inventava passeios, e me deixava ficar na sua casa, onde eu me sentia protegida e amada. Fazia as roupas das minhas bonecas e algumas das minhas roupinhas. 


Quando eu era adolescente, ela ainda me fazia dormir. Fazia roupas pra eu ir às festinhas. Fazia todos meus os gostos e mais alguns. Ela era doce e gentil, embora minha mãe diga que ela era braba, nunca a vi assim. Sempre doce, com cara de vó. Um anjo que me botou algumas manhas e fez minha infância mais feliz.

O SEGUNDO ANJO

Minha babá, que já tinha sido babá da minha mãe, era considerada da família. Todas a chamavam “Cumade” Alice. Eu a chamava “Dona”. Depois de adolescente passei também a chamá-la “Cumade”. Dona jogava no bicho e me levava com ela. O jogo era numa pequena mercearia na esquina da nossa casa, e ela me presenteava com alguns “confeitos”. 


Dona me levava junto com ela pro quintal, pra arear panelas e contar histórias e estórias, contar “causos”. Também me dava cafuné, como minha vó, só que durante o dia e, minha vó fazia isso a noite até eu dormir... Eu me lembro que depois que cresci um pouco, ela deixou de ser minha babá, e ia lá em casa de vez em quando.


Eu era uma menina difícil de abraçar as pessoas, mas quando Dona chegava eu corria e lhe dava um abraço grande, pulava em cima dela, quase derrubando-a no chão.  Por falar em abraços, ela me contava que quando eu era pequenininha e ela me levava pra passear, e ninguém podia pegar em mim. Ela não deixava, porque dizia que “o pai da menina não quer”. Resultado: as pessoas me achavam uma bebê chata. 


Dona era mais braba, mas comigo só de vez em quando. Na brabeza dela, fazia minhas vontades e me cuidava. Um anjo “cuidador” e amoroso, e, sem deixar transparecer muito essa ternura, era dura quando precisava ser.

Aqui, um parêntese: No começo o meu mundo se resumia à um pedacinho de Natal: à Cônego Leão Fernandes, “minha” rua e a Otávio Lamartine, rua da “minha” vó, e seus arredores. Depois esse mundo foi crescendo: Rua Trairi “dos” meus primos, praia de Areia Preta, Redinha, Pirangi, Escola Doméstica, Rio de Janeiro, Manaus, Belém, Salvador, Paulo Afonso... E o mundo foi-se abrindo pelas mãos de meu outro anjo, meu pai, e também da minha mãe. “Ana no Mundo”, passei a ser, desde criança!

O TERCEIRO ANJO

Meu pai, o terceiro anjo, cuidou de mim desde que nasci. Acho que ele sempre foi, à sua maneira, um pai e uma mãe ao mesmo tempo. Mas, pra ser tudo isso, tinha que ser um anjo, claro. Dele não posso contar muita coisa. Dos três, foi o anjo que passou mais tempo aqui na terra comigo. Mas, e talvez por isso mesmo, ainda sinto uma saudade dolorida dele, que me faz ter que parar de pensar ou escrever sobre ele, porque ainda dói e a dor me faz chorar. 


Me lembro dele cantando e dançando, do seu jeito, um jeito que nos fazia rir, nos fazia alegres e nos ajudava a entender que a vida valia à pena. Mas, ele como o único anjo masculino (se é que anjo tem sexo, mas, acho que esses do tipo terrenos têm), resolveu me proteger por mais tempo. Resolveu me entender por mais tempo. Resolveu ficar comigo por mais tempo. Resolveu nunca me abandonar, mas mesmo assim ele teve que ir embora da terra. 


Virou um anjo do céu e sei que ainda é meu anjo da guarda.

E OS ANJOS PARTIRAM...

Os meus três anjos terrenos se foram. Talvez não fossem daqui, estavam só passando um tempo e voltaram pro céu. Eles estão no meu coração, na minha alma e na minha mente. Tenho saudades de Dona me puxando pela mão, dos cafunés de vovó... Tenho saudade do riso de meu pai. 


Os meus anjos me pegaram pela mão e me levaram para conhecer o mundo. Cada um dentro de suas possibilidades, de seus pedaços de mundo. E, guardada por eles, continuo andando pelo mundo.

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